LITERATURA
Não tive a oportunidade de ir às feiras do livro no Rio e em São Paulo, que este ano bateram recorde de presenças e de venda de livros. Espero que também tenham comprado o meu Gato Mirko. Em homenagem ao amor que está crescendo pela leitura dedico o Blog de Hoje à nossa literatura.
ITALIANO
Volto à leitura de O Dom de Casmurro do meu amigo José Endoença Martins. Estou em dúvida se ele está contando a respeito de sua infância, à do Bentinho de Machado de Assis ou dos dois juntos. Narra que a mãe lhe deu o título honorífico de poeta. Quando quis saber porque eram negros ela explicou: “A gente só sabe que é negro, e sabe qual o tipo de sangue que é, quando a gente vive entre brancos”. Entendeu que a explicação tinha a ver com uma mãe negra que lavava as roupas dos alemães e italianos. Tinha a ver também com o pai negro que construía casas para os alemães e italianos.
INCONSCIENTE
O que mais atiçou sua curiosidade foi quando a mãe aconselhou: “Tu que gostas de histórias fantásticas procura saber a respeito da jararaca albina e do orixá Exu. Se queres saber o que significa ser negro no Jaracumbach e que tipo de negro farás de ti, deves ir atrás desses dois personagens”. Infelizmente aquelas lições maternas custaram a germinar e a dar frutos. Permanecerem longamente no seu inconsciente.
ABANDONARIA
Foi compartilhar com Bertília o sonho que teve com o Saci. Não sabe se ela era a única pessoa que poderia explicar ou se só desejava conversar. No sonho, haviam decepado uma das pernas do seu boneco. Sensível aos seus devaneios infantis, a líder negra lhe garantiu que aquele sonho só foi possível porque existia nele a alma sensível de um poeta. Como sua mãe já o fizera, a velha Bertília também lhe disse que a poesia nunca mais o abandonaria.
NEGRO
O Saci e a poesia. Aquele tipo de sensação que sua mãe, Bertília e ele haviam convencionado como poesia: poesia sem poema. O Saci e a poesia se amalgamaram mais fortemente no fundo do seu espírito criativo. Na escola, incentivado pela professora, apresentou uma pequena peça de teatro em que o Saci era o personagem central, vivendo uma experiência heroica. Uma prova de que mesmo sem poema a sua poesia queria ser épica. Era a maneira de alardear sua autenticidade negra e protegê-la contra a posição do seu irmão Benedito. Este era antagonista do que considerava arroubos raciais. Depois de quase impedir a apresentação na escola, escondendo o Saci, deu-lhe o conselho: “Para com isso de querer ser 100% negro. Nem a veneranda Bertília é tão radical assim. Nem mesmo o escravo Enia-Edá, que emprenhou a jovem xokleng Iyaió-aya e a alemã Eileen, era só negro. Se nós, quer dizer tu e eu, somos descendentes destes três aí, tu não podes ser um negro puro. Foi uma ducha fria, gelada, no seu zelo negro.
BRANCA
Havia sabedoria nas palavras de Benedito. Mas, como se preparava para ser um negro épico, não sabia o que fazer com aquela advertência. Desprezou-a, olimpicamente. Logo ali adiante, porém, veio da italianinha Francesca outra ameaça. Como seu irmão, ela tentou nocautear os sentimentos que alimentava quanto a ser negro no Jaracumbach. Num golpe de ousadia a menina italiana decidiu consertar o Saci. Do imenso nariz do Pinóquio, que mantinha no quarto como amuleto, fez uma perna para o seu Saci. Sua reação foi imediata àquele ato sacrílego: “Me responde rápido, branquela, o que deixa um negro mais mutilado, não ter uma perna ou ter uma perna branca?”.
CASA
As duas estocadas não iam abalar o seu moral. Foi à forra do seu modo mais peculiar, com a poesia sem poema. Nos primeiros dias da enchente escreveu o seu mais ambicioso texto poético. Impulsionado pela sua eloquência poética performática, achou que podia aplacar a ira das águas que dividiam o Jaracumbach em duas metades incomunicáveis: os morros e os vales. Colocou o seu boneco Saci dentro de uma de suas chuteiras e dentro da outra alojou uma camisa de futebol. Antes de lançar a poesia na correnteza do rio assassino, amarrou as duas chuteiras pelos cadarços.
“Saci, tenho quase 11 anos”, falou para o inseparável amigo. “Até aqui minha vida se resumiu a futebol, novela e estudo. Nada de realmente bom para os outros, nesta minha vidinha de merda. Agora, vai, Saci. Percorre esta águas que matam e salva as pessoas. Depois, volta para casa.”
ALMAS
Nunca mais conseguiu escrever uma poesia com conteúdo igual. Até queria, mas as coisas mudaram. Com 11 anos completos já estava imerso nas aulas de religião de Frei Mittagessen, um simpático, glutão, franciscano alemão. Ele lhe apresentou a São Francisco e capitulou de cara com o santo. A mãe se empolgou e se rendeu à sua capitulação. Toda semana levava para casa uma nota 100 na sua narrativa sobre a vida de São Francisco. Um santinho do primeiro franciscano sempre acompanhava o texto e a nota máxima da avaliação. A anotação sedutora do Frei Mittagessen, abaixo da nota, fazia questão de ler em voz alta para a família: “Francisco ainda fartá de ti um pescador de almas.
POEMA
E fez. Aceitou visitar o seminário. O frade já havia seduzido seus pais quando permitiram que o acompanhasse. Desde o primeiro contato com os franciscanos, não teve mais como resistir ao assédio. O resto do ano foi dedicado à sua catequese e preparação para a ida ao seminário. Os pais introduziram, na família, o terço diário à Nossa Senhora Aparecida no lugar da sua novela radiofônica Jerônimo, o herói do sertão. “Reza meu filho” disse-lhe a mãe. “O teu nascimento foi um milagre e deves isso a Deus.” Foi só então que ela lhe contou que ele havia nascido, inesperadamente, numa plantação de abóboras, numa manhã em que ela saía de casa para uma atividade qualquer. O padre e a mãe o venceram. Em Fevereiro do ano seguinte estava tudo pronto: o enxoval completo, a matrícula aceita, a sua vontade domada. Entrou na casa de Francisco. Pobre Saci. Não permitiram que o levasse consigo. Só não tiveram como lhe impedir de entrar ali com o seu futebol e a sua escrita: a sua poesia sem poema.
CRIANCINHA
O resto da história de O Dom de Casmurro despois eu conto. Agora, que o autor é futebolista, vamos para a Copa do Mundo de Clubes. O Flamengo era o franco favorito contra o Los Angeles. Alugou o meio-campo adversário, teve domínio absoluto das ações, acertou quatro bolas na trave e quase perdeu de 1 a 0, numa desatenção e contra-ataque do Los Angeles. A salvação rubro-negra foi a entrada do garoto Wallace Yan, um José Endoença Martins, que entrou, driblou dois defensores e mandou a bola para o fundo da rede. Empate de 1 a 1 que preservou a invencibilidade. Los Angeles do futebol fizeram de tudo para evitar uma vitória do Mengão, mas o padroeiro, São Judas Tadeu, é o santo das causas impossíveis e evitou o milagre completo. Sábado vai ter Flamengo x Bayern de Munique e luta contra os alemães blumenauenses secadores. Nesta quarta-feira, 16 horas, o Fluminense decidiu seu destino contra o Mamelodi Sundowns da África do Sul classificadondo-se com o empate de 0 a 0 e o Borussia Dortmund 1 contra o Ulsan da Coreia do Sul 0. Às 22 horas um jogão: Inter de Milão x River Plate. Outro confronto de europeus com latino-americanos. Tem também o japonês Urawa Reds Diamonds contra o Monterrey do México, para o qual torço desde criancinha.
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