CONTINUA

 



No livro “Conversa com Ingo Hering Hoje” chego à transcrição da inédita entrevista que concedeu para o polêmico Pasquim. O irreverente periódico começou com seu comentário: Ingo Hering é um “tycoon” da indústria. A Malharia “Trikotwaren Fabrik Gebrueder Hering”, fundada em 1880 em Blumenau por Hermann e Bruno Hering, é hoje um conglomerado cujo faturamento chegou em 1984 a 900 milhões de dólares, em malhas (Cia. Hering), soja (Ceval Agro Industrial que processa 1,5 milhões de toneladas por ano), frangos, suínos, ração animal (Seara Industrial, que só de frangos abateru 46 milhões no ano passado) e telefonia (Equitel).” E continua...


INTEGRA


Fomos entrevistar o Sr. Ingo na casa onde mora há mais de 40 anos em Blumenau. Confortável e espaçosa, no meio de um belo gramado, é, no entanto, menos suntuosa que qualquer casa de novos ricos do Rio e São Paulo e mesmo dos sinhozinhos Malta da vida, que não chegam nem a 0,1% do seu faturamento. Na garagem dois Opalas brasileirinhos, nada de Mercedes mirabolantes. O Sr. Ingo recebeu a patota do Pasca (Jaguar, Mara Teresa, Alcione Araújo, Afonso Fontes, Ilmar Carvalho e Millor) numa sala que lembra o avô da gente, principalmente se o avô da gente for alemão, com velhas poltronas enfeitadas com toalhinhas de rendas e estantes entulhadas de livros, a maioria sobre música, a grande paixão da vida do nosso entrevistado, melômano assumido , que dedica à Orqquestra de Câmara de Blumenau a mesma atenção que às suas indústrias,” Foi traçado um retrato de Ingo Hering, que evidenciou a sua simplicidade. Como a entrevista, irreverente, ficou famosa vou transcrevê-la na íntegra.


NENHUMA


Ilmar Carvalho: Do alto dos seus 75 anos, como industrial que sempre operou em Santa Catarina, como o senhor vê o Brasil?

Ingo Hering: Com otimismo. Sou um homem de esperança. Temos todas as condições de melhorar nossa situação.


Millôr: Tenho a sensação de que o Brasil é um país condenado à esperança. Isso é visão geral?

Ingo Hering: Não, sou mais otimista que o senhor. Nossa democracia está acima da mexicana, onde tem um partido único.


Millôr: É suficiente ser superior à mexicana? Posso dizer também que é superior à democracia paraguaia.

Ingo Hering: Mas a mexicana é definida até como ditadura esquerdista. Da boca para fora são a favor de Cuba, são a favor da Nicaraguá, mas para efeito interno são muito autoritários.


Millôr: O Brasil deve 100 bilhões de dólares. Sabemos o desastre que isso significa. O emprego do dinheiro no Brasil, com toda essa corrupção, em algumas obras, não foi superior a de outros países igualmente endividados?

Ingo Hering: A maior parte da nossa dívida, principalmente no início, foi por causa da OPEP. Tivemos que reduzir nosso ritmo e fazer empréstimos. Mesmo admitindo que houve alguma corrupão.


Millôr: Alguma?

Ingo Hering: Uma vez falando com um alto banqueiro alemão, joguei verde: “A corrupção no Brasil...” Ele me interrompeu, dizendo que a corrupção nos outros países é ainda maior.


Alcione Araújo: Como empresário que tem grande parte da sua produção ligada ao comércio exterior, o senhor vê algum obstáculo quanto ao reatamento com Cuba?

Ingo Hering: Acho uma bobagem. Com esse reatamento vamos ter aqui muitos cubanos fazendo propaganda do comunismo. Vai ser difícil controlá-los.


Alcione Araújo: Mas, antes mesmo dos cubanos, já temos comunistas fazendo o mesmo.

Ingo Hering: Pelo menos estão identificados.


Millôr: O senhor é tido como um empresário progressista, mas é fundamentalmente um capitalista. Até onde sua liberalidade e humanismo surgiram em função das pressões do socialismo, buscando se antecipar a certos problemas?

Ingo Hering: Nunca sofremos aqui pressões nesse sentido, os sindicatos reconheceram que nossa indústria ajuda os operários a ganhar a sua vida. Aqui em Santa Catarina o normal são os empresários quererem dar a seus empregados uma vida mais decente.


Millôr: Qual o mínimo, economicamente, que o ser humano deveria ter para sobreviver?

Ingo Hering: Isso é relativo. Aqueles que mais ganham são aqueles que mais ganham, né? Os metalúrgicos de São Paulo ganham três vezes mais do que os demais operários.


Millôr: Isso é um lugar-comum social: só reivindica quem não tem como reivindicar. Até onde o senhor admite esse tipo de reivindicação?

Ingo Hering: Ela deveria ter início em casa. O homem esforçado que sabe o que quer avançar tecnicamente, consegue. O que só quer um emprego para levar a sua vidinha não pode progredir. Mantenho que a culpa de tudo isso é nossa expansão demográfica.


Millôr: Mas o maior controle da natalidade que se inventou não é a prosperidade?

Ingo Hering: Bem, mas aí é um círculo vicioso. Nosso excesso de gente é tão grande… Vou dizer algo que os senhores talvez não gostam de ouvir. O milagre brasileiro foi realmente um milagre. Na década de 70 tivemos um aumento de empregos de 50 por cento.


Afonso Fontes: Qual a diferença entre o milagre japonês, o milagre alemão e o milagre brasileiro?

Ingo Hering: Depende da índole de cada povo. O brasileiro nunca será um japonês, que vive para trabalhar e não trabalha para viver.


Millôr: Olha, eu vou dizer qual é a diferença. O milagre alemão vem da operosidade daquele povo. O japonês vem de uma certa malícia, da inventividade daquele povo. Já o brasileiro é milagre mesmo. Mas o milagre brasileiro não seria mais milagroso se, ao invés de fazer uma obra de 12 bilhões de dólares, fizéssemos primeiro as menores e as grandes depois de termos pago as menores?

Ingo Hering: O senhor fala naturalmente de Itaipu. No tempo do milagre, o aumento do consumo de eletricidade foi de 12% ao ano, logo foi necessário. Admito que seria melhor fazer algumas menores antes de fazer a grande, ou que teria sido melhor ter feito duas menores.


Maria Teresa: Por que o brasileiro só trabalha para viver, como o senhor disse?

Ingo Hering: Por causa do clima. O europeu tem que se preparar para o inverno. Hoje há técnicas de aquecimento, mas está no sangue do povo, de ter que trabalhar metade do ano para ter na outra metade. Tinham que se organizar para um trabalho mais sistemático. O brasileiro tem a tendência de “deixar para Deus resolver” e se conformar com a situação.


Millôr: Natureza, a antropologia ou Deus, seja lá quem for, fez então um povo ser operoso e trabalhador e outro vagabundo? Vamos admitir que sim. Então porque o vagabundo não é tranquilamente feliz como vagabundo? Por que é considerado um pária?

Ingo Hering: Não são tão infelizes. Vejam essas festas de igreja, esse carnaval… Se aplicassem todas essas energias em coisas produtivas… Não quero criticar, pode ser que assim levem uma vida mais agradável, mais humana, no sentido amizade. Mas sem dúvida não é o melhor meio de prosperar.


Afonso Fontes: Quando houve o milagre brasileiro, fomos campeões da Copa de 70, tínhamos os Fitipaldis da vida, mas houve também um achatamento cultural, nossa juventude foi alienada. Deveria ter incentivo pelo menos técnico, que aqui não tem grande importância. O japonês investiu nos estudantes, mandando-os para fora para assimilar o “know-how”.

Ingo Hering: Não sou tão pessimista. O japonês aprendeu a tecnologia e hoje, em alguns casos, faz melhor que os mestres. Mas estamos bastante avançados tecnologicamente. Vendemos até Tucanos e outros materiais de guerra para o estrangeiro.


Jaguar: Como é a história da Hering?

Ingo Hering: É uma história de 105 anos. Meu avô, na Alemanha, já tinha uma firma têxtil, mas como estava uma crise muito grande, resolveu vir para o Brasil. Ele tinha ouvido que a vida aqui era fácil, podia-se caçar e pescar. Os alemães daqui, quando voltavam para lá, sempre aumentavam um pouco as coisas. Meu avô veio para Blumenau, onde se falava alemão. Depois que conseguiu uma máquina têxtil, foi buscar a família. Isso foi em 1880. Por volta de 1900 nossa firma já era uma das maiores do ramo.


Alcione Araújo: Consta que em 1939 o senhor criou uma cooperativa de consumo para os funcionários da empresa. Por que? Alguma ligação com a guerra?

Ingo Hering: Não, a fábrica aumentou, havia necessidade de oferecer aos operários um custo de vida menor. No começo cada operário morava perto do trabalho, tinha sua horta, às vezes uma vaca, mas quando começou a fluir gente de todas as partes, sentimos necessidade dessas cooperativas.


Alcione Araújo: Parece que o senhor paga também um salário maior que a média, oferece também cooperativa de consumo, cooperativa de crédito, amparo às mães operárias, uma série de regalias. Quanto por cento isso representa de diminuição no lucro?

Ingo Hering: Hoje não estamos muito acima das outras fábricas. Pode-se aplicar muita coisa do próprio lucro para essas finalidades. Mas a finalidade social principal de uma empresa é ela se manter. Isso é melhor do que uma empresa que paga demais e depois desaparece. Com esse juro real tão alto não podemos gastar o lucro, que tem que ser reinvestido para assegurar a sobrevivência da empresa.


Millôr: A Hering sempre foi um gigante local, sem medo dos concorrentes. Como o senhor encara a concorrência de agora?

Ingo Hering: Com naturalidade. A maioria das concorrentes do nosso ramo, como a Sulfabril, está aqui no Vale do Itajaí. Durante as enchentes, mandamos nossos técnicos para firmas que estavam dentro d’água, para ajudar a recuperá-las. A pior concorrência por ser suja, vem das pequenas firmas, que não pagam impostos nem salário. Isso a gente tem que aceitar como uma situação que não podemos mudar.


Millôr: A Hering teria a filosofia de ocasional “dumping”?

Ingo Hering: No nosso caso isso seria impossível justamente por causa dessas mini-empresas. Elas tem 50% do mercado.


Alcione Araújo: Seu grupo é o maior exportador de soja do país. A malharia, de repente, não se transforma numa atividade secundária?

Ingo Hering: O setor da soja é quase absolutamente independente. No momento o lucro lá é maior do que aqui, mas já houve o contrário.


Millôr: O senhor é religioso?

Ingo Hering: Sou protestante. Isso é coisa de foro íntimo, não se pergunta.


Millôr: O senhor aceita a permissividade sexual de hoje, as novas relações entre rapazes e moças, ou é mais tradicional?

Ingo Hering: Pela minha idade, sou mais conservador, mas a gente tem que reconhecer que antigamente a repressão sexual foi demais. Hoje foi para o outro lado, mas pelo que tenho visto na Europa, a nova geração está voltando, não digo que para os tabus antigos, mas para algo mais normal.


Jaguar: Quais são as perspectivas, na sua área, com a Nova República? ​

Ingo Hering: Na área da exportação estamos mal. Há uma defasagem entre nossa inflação real interna e a estipulada, que está numa baixa artificial. A margem de lucro na exportação caiu. O dólar para exportação é baixo demais. Não pedimos uma maxidesvalorização. Seria o fim, mas é preciso jogar o dólar lentamente para cima, para podermos manter o ritmo da exportação.


Millôr: A esta altura da sua vida, qual o balanço que o senhor faz da sua própria existência, com relação à saúde, problemas familiares, realização profissional? Teve lucros, está na média ou está no vermelho?

Ingo Hering: É difícil julgar a si próprio. Em todo caso, apesar de muitos contratempos, estou relativamente contente com aquilo que consegui.

Jaguar: Quantas greves já teve que enfrentar? 

Ingo Hering: Nenhuma.


HISTÓRICO


Aí acabou o papo dos jornalistas com nosso grande capitão de indústria. O Blog de hoje foi um tanto longo, mas, pela franqueza e sinceridade de Ingo Hering, de enorme valor histórico.



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